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NEGOCIAÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL EM TEMPOS DE COVID-19: UMA VISÃO DIALÓGICA

É inegável que o estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia provocada pelo covid-19 (coronavírus) já trouxe e ainda trará consequências negativas imensuráveis para os pequenos, médios e grandes negócios.

As normas sobre o isolamento social impactam diretamente o setor produtivo de diversas categorias econômicas, ainda que estejam se beneficiando de alternativas como as propostas de trabalho remoto ou a distância (home office).

A lógica, embora devastadora, é simples: com a diminuição da circulação, o consumo diminui, a oferta aumenta e o prejuízo se acumula.

Se o setor empresarial sofre as consequências diretas dessas ações, os impactos negativos também alcançam a classe trabalhadora, que enfrentam o medo real de ver o seu trabalho suspenso e o salário reduzido, conforme autorizado pela Medida Provisória nº 936.

Nessa toada, empresas e consumidores se deparam com a triste realidade de impossibilidade de cumprimento dos contratos firmados, onde boa parte dos profissionais têm encontrado amparo no instituto jurídico milenar da força maior ou caso fortuito.

A minha intenção, neste momento, é provocar uma reflexão solidária e empática nos caros leitores: seria o instituto da força maior a primeira solução para a resolução contratual?

Antes, precisamos entender que o caso fortuito ou a força maior (a distinção conceitual aqui é inútil) se caracteriza pelo fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir (parágrafo único do art. 393 do Código Civil de 2002 – CC/02).

Com isso, o caput do art. 393 do CC/02 exonera o devedor dos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, salvo se expressamente se obrigou a repará-los – situação raramente encontrada nos contratos comuns.

Podemos fazer referência, também, ao art. 248 do CC/02, que permite a resolução contratual se o fato se tornar impossível sem a culpa do devedor.

Por fim, registre-se a existência do art. 478 do mesmo código, cuja aplicação permite a extinção contratual diante de fatos extraordinários e imprevisíveis quando a prestação se tornar excessivamente onerosa para um dos contratantes e com extrema vantagem para outro – embora a previsão esteja ligada à necessária existência de um processo judicial.

Pois bem, como consequência prática, então, a ocorrência de caso fortuito ou força maior autoriza a exoneração da responsabilidade do devedor pelos prejuízos resultantes e a resolução contratual.

A vista disso, o primeiro óbice é encontrado na caracterização de impossibilidade do cumprimento da obrigação. A doutrina costuma exemplificar tais situações como aquelas em que o devedor fica fisicamente impossibilitado de levar o cumprimento da obrigação ao credor – imagine uma saca de arroz que não consegue chegar ao destino em razão da queda de uma ponte.

O que se tem verificado, no entanto, é uma impossibilidade temporária de cumprimento das obrigações, em razão das dificuldades financeiras (aqui há discussão sobre a possibilidade de utilização do instituto da força maior, o qual não pretendo aprofundar neste artigo).

Caracterizada ou não tais hipóteses, voltamos à reflexão: seria realmente o caso de optar pela resolução ou extinção contratual?

A resposta parece encontrar guarida no art. 479 do CC/02, que autoriza o devedor a modificação equitativa das condições do contrato como alternativa à extinção do contrato. A vontade do legislador pela continuidade contratual é bastante clara.

Outra evidência semelhante para a resposta ao nosso questionamento pode ser encontrada na novel Medida Provisória nº 948, que trata das flexibilizações das regras sobre o cancelamento de serviços, reservas e eventos dos setores de turismo e cultura, durante o estado de calamidade pública.

Para evitar a aplicação do art. 248 do CC/02, que extinguiria a relação contratual, a norma autoriza a concessão de crédito para uso ou abatimento futuro, a remarcação dos serviços ou a restituição do valor no prazo de doze meses, além da possibilidade de firmar outro acordo

A reflexão segue, então, um curso natural: a solução contratual, seja nas relações comerciais entre empresas ou nas consumeristas entre empresas e consumidores, deve ser pautada sempre no oferecimento de opções ao cumprimento do contrato – o que pode ser feito por meio de um aditivo contratual –  em detrimento da sua extinção, privilegiando sempre o diálogo.

Portanto, a revisão contratual deve se sobrepor à resolução contratual e isso se faz por meio do bom diálogo, primado pela autonomia das vontades.

Por óbvio, deve-se ter bastante cautela nas relações de consumo, para evitar a nulidade de cláusulas contratuais abusivas que afetem negativa e demasiadamente o consumidor.

Não podemos esquecer que todos os participantes da cadeia produtiva e de consumo – do produtor ao consumidor – são invariavelmente afetados pelas regras de isolamento social.

O que nos ajudará efetivamente a passar por este momento tão delicado da nossa história é a máxima utilização dos nossos sentimentos de empatia para a compressão das dificuldades alheias. Com isso em prática, certamente (re) construiremos um País com relações mais justas e solidarias.

Lucas Torres Sampaio, presidente do IDAM, advogado especialista em Ciências e Legislação do Trabalho e diretor do grupo de Compliance da Law Talks no Amapá.

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