COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: ESTUDO DA APLICAÇÃO DO MÉTODO DE PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS DE ROBERT ALEXY NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 54

RESUMO

Este artigo científico tem como objetivo analisar a adequação da formulação dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao procedimento de ponderação de princípios de Robert Alexy na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54. Para tanto, serão abordados conceitos de direitos fundamentais, bem como o procedimento de ponderação de Alexy, que servirá como parâmetro para a análise proposta pelo trabalho. Além disso, serão descritas as linhas gerais da ADPF nº 54, que discute a legalidade do aborto de fetos anencéfalos, e serão analisados os votos de três ministros do STF, a fim de verificar se os mesmos seguiram os parâmetros do procedimento de ponderação de princípios exposto por Alexy. A colisão de direitos fundamentais é um tema de grande relevância na atualidade, e a análise da aplicação do método de ponderação de princípios de Robert Alexy na ADPF nº 54 contribui para a discussão acerca da correta aplicação dos direitos fundamentais em casos de conflito entre eles. O estudo pretende ainda fornecer subsídios teóricos para a tomada de decisões judiciais mais fundamentadas e coerentes com os valores e princípios constitucionais.

Palavras-chave: Ponderação de Robert Alexy, Colisão de Princípios Fundamentais, ADPF 54.

INTRODUÇÃO

1.1 OBJETO DE ESTUDO DA PESQUISA

1.1.1 Fenômeno de Estudo da Pesquisa

O alinhamento entre o processo de formação da tomada de decisão por Ministros na Arguição De Descumprimento De Preceito Fundamental Nº 54 e o procedimento de procedimento de Robert Alexy descrito em Braga Junior, Costa e Ávila (2015).

1.1.2 Delimitação Teórica da Pesquisa

A delimitação teórica do texto advém da análise do procedimento da ponderação de princípios em colisão de Robert Alexy descrito em Braga Junior, Costa e Ávila (2015). 

1.2 PROBLEMATIZAÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA PESQUISA

1.2.1 Problemática Epistemológica da Pesquisa

Não é incomum coletar críticas às decisões do Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, em pesquisa realizada pelo Datafolha (G1, 2021), apenas 24% do espaço amostral considerou o desempenho do STF como ótimo ou bom.  Similarmente, em outra oportunidade, o PoderData publicou pesquisa que revelou apenas 16% de notas ótimo ou bom para o desempenho dos ministros (Poder360, 2021). Por conseguinte, é imperioso avaliar se há pertinência crítica desses números em relação ao desenvolvimento técnico dos votos dos ministros. 

1.2.2 Problema Epistemológico da Pesquisa

O problema epistemológico é enunciado por intermédio da seguinte questão norteadora: O desenvolvimento dos votos dos ministros ocorre com algum alinhamento em relação às técnicas doutrinárias amplamente conhecidas, como a ponderação de Robert Alexy? 

1.2.3 Hipótese Formulada da Pesquisa

A hipótese a ser formulada para a pesquisa será do tipo a posteriori, porque somente com o desenvolvimento da pesquisa é que serão identificadas as potencialidades do uso da ponderação de Alexy para a superação de possíveis problemas técnicos que possam dar sustentação às críticas supracitadas.

1.3 OBJETIVOS EPISTEMOLÓGICOS DA PESQUISA

1.3.1 Objetivo Geral da Pesquisa

O objetivo geral da pesquisa é analisar a adequação da formulação dos votos dos ministros do STF ao procedimento de ponderação de Robert Alexy. Dessa maneira, pretende-se investigar se os motivos que levam ao baixo índice de satisfação com a Corte podem estar relacionados ao desalinhamento com a técnica de ponderação em estudo.

1.3.2 Objetivos Específicos da Pesquisa

Os objetivos específicos da pesquisa guiarão a estrutura de tópicos aduzidos no trabalho. Para tanto, tem-se os objetivos: a) Conceituar os Direitos Fundamentais; b) Descrever o procedimento de Robert Alexy que será utilizado como parâmetro para a análise proposta pelo trabalho; c) Descrever as linhas gerais da ADPF nº 54; d) Analisar o voto de três ministros de acordo com os parâmetros do procedimento de ponderação exposto.

.4 JUSTIFICATIVA EPISTEMOLÓGICA DA PESQUISA

1.4.1 Relevância Científica da Pesquisa

No campo científico, a pesquisa tem a proposta de estimular a análise crítica dos votos dos magistrados conforme critérios amplamente difundidos na ciência do Direito. Nessa monta, não só o próprio voto, como também o método utilizado estarão sob análise, o que deverá fomentar o debate e o aprimoramento das prolatações e dos recursos e procedimentos científicos aplicados.

1.4.2 Relevância Social da Pesquisa

Socialmente, intenciona-se ofertar à sociedade uma resposta derivada de análise científica aos questionamentos que conduzem à insatisfação social refletida nas pesquisas apresentadas. Assim, entende-se ser fundamental apresentar tal esclarecimento, para que a própria crítica social encontre fundamentação, seja para estimular a intensidade das cobranças, seja para arrefecer-las.

2 METODOLOGIA

O método selecionado para o desenvolvimento da pesquisa é o dedutivo, na medida em que se parte de um conhecimento geral para a conseguinte aplicação no caso em foco. A abordagem selecionada para o desenvolvimento da pesquisa é a qualiquantitativa, uma vez que serão analisados qualitativamente os votos proferidos pela quantidade determinada de três ministros. 

Enfatiza-se que a técnica de amostragem empregada na pesquisa é do tipo não probabilística por acessibilidade e conveniência. A ambientação epistemológica da pesquisa é bibliográfica, cujas fontes de informação da pesquisa são tanto primárias, uma vez que a análise será fundamentada na leitura direta dos votos dos ministros, quanto secundárias, porquanto a estratégia de coleta de dados abrange: a) levantamento de acervo bibliográfico; b) levantamento de acervo digital; c) levantamento de acervo documental.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 AS DIMENSÕES SEMIÓTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Sintaticamente, os Direitos Fundamentais podem ser entendidos como um conjunto de normas e princípios que regem as relações entre os indivíduos e o Estado. Eles estão dispostos na Constituição Federal de 1988 e em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. No que se refere à Constituição Federal, Sarlet (2017) leciona:

Nesse passo, chama a atenção que, ao enunciar que o Título II da CF é o título dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, o Constituinte de 1988 indicou claramente de que aqui se trata do gênero, abarcando, nos diversos capítulos, as demais espécies ou categorias de direitos fundamentais, nomeadamente os direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I), os direitos sociais (Capítulo II), a nacionalidade (Capítulo III), os direitos políticos (Capítulo IV) e o regramento dos partidos políticos (Capítulo V).

Semanticamente, os Direitos Fundamentais se revelam como um conjunto de valores, ideais e princípios que orientam o exercício do poder e a proteção da dignidade humana. Essas esferas se assentam em conceitos como liberdade, igualdade, justiça e segurança. Com efeito, a leitura do preâmbulo da Constituição de 1988 conota que os direitos fundamentais se erguem como pilar ético-jurídico-político fundamental para a interpretação da Carta Maior (BRANCO;MENDES, 2014).

Pragmaticamente, os Direitos Fundamentais servem como garantia de direitos e liberdades individuais, bem como uma ferramenta de limitação do poder estatal. Esses direitos são usados como um instrumento de proteção dos indivíduos contra abusos de poder por parte do Estado e de outros indivíduos. Nesse espectro, Silva (1992) media que os Direitos Fundamentais tratam de questões essenciais à existência humana e que o ordenamento jurídico deve concretizar essas garantias. Em vista disso, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF), na ADIn 939-7 (1993), decidiu que o princípio da anterioridade, sendo um direito fundamental, não poderia ser afastado em face do poder de tributar. 

Carvalho (2022) apresenta o conceito de direitos fundamentais pelo ponto de vista da interdependência deste com o Estado democrático de direito. Com efeito, a existência de um Estado Democrático impõe a proteção e a ampliação de direitos. Para Alexy (2011), os direitos fundamentais constituem uma tendência histórica e universal. Nessa direção, o pesquisador Nunes Junior (2009) define os Direitos Fundamentais como um conjunto normativo aberto, no qual se inserem princípios e regras. Na mesma esteira, Sarlet (2015) dilata a dinâmica da ampliação dos direitos fundamentais e a define como a derivação da atividade hermenêutica. Verdadeiramente, as inspirações para novos direitos devem incluir fontes para além das tradicionalmente conhecidas no cosmo jurídico. 

Como se observa, em ressonância com a proposta da Teoria Semiótica de Morris (1976), há dinamicidade no designatum do veículo “Direitos Fundamentais”. Assim, mesmo que a Dimensão Sintática se solidifique, a Dimensão Semântica, que compreende tanto o veículo quanto o designatum do signo (CARDOSO;PACHECO, 2017), cambia com o tempo. Consequentemente, os efeitos reais dos Direitos Fundamentais nos interpretantes também mudam, o que torna a Dimensão Pragmática do termo igualmente variante.

3.2 A PONDERAÇÃO DE ROBERT ALEXY

3.2.1 O algoritmo de Ponderação de Robert Alexy

O procedimento utilizado na análise dos resultados foi descrito em Braga Junior, Costa e Ávila (2015):

Contudo, antes de se observar o peso dos princípios em colisão, Alexy observa que a primeira análise a ser feita é quanto ao plano da validade do princípio, uma vez que, tratando-se de colisão de princípios, cujo resultado implicará em sua pertinência ao ordenamento jurídico, resolver-se-á pelo teorema da colisão. Superada a dimensão da validade dos princípios em colisão, passa-se ao Procedimento da Ponderação propriamente dito. A máxima da proporcionalidade se subdivide em três máximas parciais, a saber, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Ressalta-se que a análise destas é sucessiva e ordenada (BRAGA JÚNIOR; COSTA; ÁVILA, 2015).

A análise de proporcionalidade ainda alcança três níveis. De acordo com os autores:

Para o cumprimento deste preceito, a análise a ser feita implica em três níveis e, segundo Alexy, o primeiro nível trata do grau de descumprimento ou da interferência em um princípio. O segundo nível implica na identificação de interferência da importância do cumprimento do princípio oposto e o terceiro nível limita-se a analisar se a importância do cumprimento do princípio oposto justifica o descumprimento do outro princípio ou a interferência nele (BRAGA JÚNIOR; COSTA; ÁVILA, 2015).

A representação dos passos recomendados pode ser visualizada na Figura 1.  

algoritmo-de-ponderação-de-robert-alexy

Figura 1 – Fluxograma do procedimento de Alexy descrito em Braga Junior, Costa e Ávila (2015) (Fonte: Autor, 2023).

A análise de validade dos princípios em colisão busca avaliar a pertinência dos mandados em questão em relação ao ordenamento jurídico nacional. A segunda etapa visa validar a adequação da medida estatal para a promoção do direito fundamental. 

Nesse roteiro, computa-se se as ações estatais pretendidas pelos princípios em observação atingem os objetivos desses preceitos. Em um terceiro momento, desenvolve-se a análise de necessidade da medida estatal almejada. Nessas condições, considera-se se há outras medidas melhores que possam ser tomadas para a resolução da lide. 

Por fim, é realizada a ponderação em si. Nesse estágio, analisa-se o grau de  interferência entre os princípios para que, a partir daí, seja encontrado um ponto ótimo da colisão que promova a melhor solução para o caso.    

3.3 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL/ADPF Nº 54

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 foi ajuizada em 17 de junho de 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). O objetivo da ação era questionar a constitucionalidade da criminalização do aborto em casos de anencefalia, uma má-formação congênita que impede o desenvolvimento completo do cérebro do feto, tornando a vida após o nascimento praticamente inviável.

A argumentação era de que a criminalização do aborto de fetos anencéfalos violava preceitos fundamentais da Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana, a proteção à vida, a liberdade, a igualdade, a proibição de tratamento cruel e a autonomia das mulheres. Além disso, alegou-se que a manutenção da gravidez de fetos anencéfalos traria graves consequências para a saúde física e mental das gestantes.

Após um longo processo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ADPF nº 54 procedente, por maioria de votos. A decisão do STF reconheceu a não obrigatoriedade da continuidade da gestação de fetos anencéfalos, permitindo o aborto nessas situações sem a necessidade de autorização judicial ou risco de punição.

4 ANÁLISE DOS DADOS/DISCUSSÃO

Para os fins do trabalho, foram colhidos os votos de três ministros: Rosa Weber, Joaquim Barbosa e Celso de Mello. Como requisitos para a criação de critérios para a coleta, foi deliberado que a limitação de análise de três votos seria suficiente, seja para não estender o trabalho além do razoável, seja para não reduzir o espaço amostral a ponto de não ser possível gerar alguma conclusão desmedida.

Ademais, para a seleção, foram escolhidos votos do mais afastado ao mais aproximado do algoritmo em tela. A intenção foi perscrutar nos diferentes estilos se os traços do procedimento podem ser extraídos de votos, mesmo que o voto do ministro em análise não apresente rigor para atendimento da técnica estudada. Com isso, espera-se identificar se a técnica proposta interfere no grau de subjetividade da asseveração do magistrado.

4.1 VOTO DA MINISTRA ROSA WEBER

O voto da ministra Rosa Weber, embora faça menções diretas a trechos do procedimento de Robert Alexy, não explicita de maneira evidente o uso dos passos do algoritmo proposto. De maneira que a maior parte das evidências aqui aduzidas foram extraídas de traços implícitos no texto. Nesse contexto, é possível que diferentes leitores captem diversos outros padrões não identificados pelos filtros responsáveis pela elaboração deste trabalho.

4.1.1 Análise de Validade do Princípio dentro do Ordenamento Jurídico

Nesse diapasão, a ministra valida os princípios em questão do Direito à Vida e do Direito de Liberdade de escolha da Gestante nas páginas 112 e 129 do acórdão, nas quais remete à Constituição como guardiã dos referidos princípios. 

4.1.2 Análise de Adequação da Medida Estatal na Promoção do Direito Fundamental

Quanto ao Direito à Vida, é possível extrair evidência de fragmento de análise de adequação da tutela penal como adequada à preservação do princípio em tela na página 105, ao discorrer a respeito da regulação do Direito em relação ao tema.

Noutra ponta, na página 112, a perspectiva da ministra de percepção da adequação da medida estatal de  Direito de Liberdade de escolha da Gestante é revelada pelo reconhecimento de que a medida traduzida na declaração de inconstitucionalidade é garantidora do princípio em foco.

4.1.3 Análise da Necessidade da Medida Estatal

A necessidade da medida estatal para a garantia do Direito à Vida é observada na página 130. Nessa, a ministra prolata que a configuração do aborto para o tema é necessária para a proteção da vida do feto. 

Ainda na mesma página, a ministra Rosa Weber prossegue a análise do segundo princípio em colisão ao concluir que exclusão da configuração da interrupção  da gravidez em caso de comprovada de anencefalia  é necessária para a garantia do direito à liberdade da gestante.

4.1.4 Cumprimento do Preceito da Lei da Ponderação

4.1.4.1 Avaliação do Grau de Interferência ou Descumprimento em um princípio oposto

A ministra pondera a respeito da extensão dos efeitos do princípio relacionado à garantia do direito à liberdade da gestante ao considerar, na página 133, que é possível interferir no direito à vida, caso se entenda que não haja vida a ser protegida.

4.1.4.2 Avaliar importância do Cumprimento do Princípio Oposto

Quanto à importância do cumprimento do princípio oposto, retoma-se o ponto da análise de necessidade publicada na página 130, cujo núcleo lógico define que é necessária a proteção da vida do feto em face da decisão da gestante, ou seja, a proteção da vida se perfaz pela limitação à sua liberdade.

4.1.4.3 Propor Graus de Interferência entre os Princípios em Colisão

Por fim, como último passo do procedimento, na página 131, após realizar considerações em relação ao conceito de vida, destacados os pontos de vista científicos e jurídicos, a ministra conclui pela atipicidade do fato, ressaltada pela incapacidade do legislador original prever as variáveis do caso em estudo.

4.2 VOTO DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA

O voto do ministro Joaquim Barbosa não faz uso explícito do procedimento de Alexy. Menos extenso em relação ao voto da ministra Rosa Weber, o raciocínio do excelentíssimo ministro, apesar de denso, limita a extração de padrões que permitam aproximações às tarefas do procedimento de resolução da colisão proposta. Nessa lógica, não foi possível estabelecer inferências que remetessem integralmente às propostas de Alexy da forma como a teoria prescreve.

4.2.1 Análise de Validade do Princípio dentro do Ordenamento Jurídico

Para validar o princípio do Direito à Vida, o ministro Joaquim Barbosa traz à luz, na página 148, o aspecto normativo contido na observação do art. 124 do Código Penal e o parecer doutrinário de Alberto Silva Franco e de Cezar Roberto Bitencourt.

O Direito de Liberdade de escolha da Gestante, no voto do ministro, é validado no ordenamento mediante as excludentes de ilicitude previstas no artigo 128 do Código Penal.

4.2.2 Análise de Adequação da Medida Estatal na Promoção do Direito Fundamental

A análise de validade, vista anteriormente, traz também o aspecto da adequação, uma vez que a tutela penal é reconhecida como adequada à preservação do Direito à Vida. Continuamente, as excludentes de ilicitude previstas anteriormente no Código Penal cabem para a promoção do Direito de liberdade de escolha da gestante.

4.2.3 Análise da Necessidade da Medida Estatal

Nessa etapa, o ministro antecipa seu parecer na página 149 ao considerar desproporcional a tipificação da conduta em questão como aborto. Com efeito, tem-se que a conduta necessária para o caso deva ser pela procedência da ADPF, que assim pleiteia a extensão do Direito à Liberdade de Escolha da Gestante em função da limitação ao Direito à Vida. 

4.2.4 Cumprimento do Preceito da Lei da Ponderação

4.2.4.1 Avaliação do Grau de Interferência ou Descumprimento em um princípio oposto

Mesmo tendo emitido parecer no passo anterior, o ministro prossegue o desenvolvimento do voto e gera apontamento de uso das tarefas consecutivas do procedimento do Alexy ao, implicitamente, realizar a avaliação do grau de descumprimento do direito à vida. Nessa face, como se observa na página 150, o ministro fez uso do seguinte silogismo: Se o direito chancela o direito de escolha da mulher em caso de aborto sentimental, em que não há necessário risco à vida do feto; Se há má formação fetal gravissima, que não oferece esperança de sobrevivência plena; Então, uma vez que o bem jurídico da primeira premissa é inferior ao da segunda, não há motivação lógica para a supressão do direito de escolha em caso de má formação. Assim, é válida a interpretação em favor dos princípios que norteiam o direito da gestante em relação ao direito à vida do feto anencéfalo.

4.2.4.2 Avaliar importância do Cumprimento do Princípio Oposto

Para essa etapa, na página 150, o ministro considera a possibilidade do cometimento de aborto, para fins de proteção do Direito à Vida, em caso de interrupção da gravidez por conta da anencefalia. Nessa lida, o ministro concluiu no voto pelo não entendimento de estabelecimento do mesmo grau de proteção dado, caso a vida do feto fosse viável. Para tanto, trouxe à baila as gradações penais estabelecidas frente às diversas etapas da vida.

4.2.4.3 Propor Graus de Interferência entre os Princípios em Colisão

Finalmente, o ministro desenvolve o rito final do procedimento de ponderação. Balizado pelo parecer concedido na etapa de análise de necessidade, e alicerçado pelas validações das duas sub etapas anteriores do Cumprimento da Lei da Ponderação, o ministro conclui na página 150 que, estando o feto biologicamente morto, não há necessidade de se justificar qualquer proteção a um bem que não existe. Assim, na página 152, entende o ministro que não há tipicidade na conduta. Dessa forma, votou pelo deferimento da ADPF.

4.3 VOTO DO MINISTRO CELSO DE MELLO

À semelhança do voto de seus pares anteriormente analisados, o voto do ministro Celso de Mello exige o esforço da extração por aproximação, uma vez que não há o uso explícito do procedimento de Alexy no corpo do texto publicado

4.3.1 Análise de Validade do Princípio dentro do Ordenamento Jurídico

Os indícios de análise de validade podem ser encontrados na página 317, na qual o ministro profere a irrecusável magnitude do direito à vida. Ato contínuo, na página 326, mais diretamente é afirmado o Direito à Vida como valor inerente à ordem constitucional brasileira.

Quanto ao princípio relacionado ao direito de escolha da gestante, na página 315 o direito em estudo é validado no ordenamento jurídico nacional pelo Princípio da dignidade da pessoa humana. Da mesma forma, na página 326 o Direito de Escolha é fundamentado nos direitos de saúde, liberdade e dignidade, valores inerentes à ordem constitucional brasileira.

4.3.2 Análise de Adequação da Medida Estatal na Promoção do Direito Fundamental

Quanto à adequação, na página 326 a medida estatal é lida como adequada, tendo em vista a inegável fundamentalidade do direito à vida. Paralelamente, na página 353, tem-se a medida estatal como consoante à Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu art. 4º.

No mesmo sentido, as medidas estatais de proteção à liberdade de escolha da gestante estão afirmativamente adequadas constitucionalmente pelo postulado da dignidade da pessoa humana, aduzida no art. 1º, III conforme descrito na página 327.

4.3.3 Análise da Necessidade da Medida Estatal

Nessa etapa, o ministro considera a necessidade da medida estatal no que se refere ao Direito à Vida. Destarte, defende na página 349 a necessidade de ação estatal, face à proclamação de inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, “caput”).

Demais, nas páginas 349 e 350 mediante o estudo da lei 9434/97 que considera, para fins de transplante, o marco final da vida pelo momento em que se dá a morte encefálica, é possível extrair do voto o fundamento da necessidade de medida estatal, sem opção menos gravosa, para dar garantia do direito da gestante.

4.3.4 Cumprimento do Preceito da Lei da Ponderação

4.3.4.1 Avaliação do Grau de Interferência ou Descumprimento em um princípio oposto

A aplicação dos princípios que fundamentam o direito à liberdade de escolha em detrimento do direito à vida pode ser encontrada na interpretação desenvolvida na página 354 do termo “em geral” da convenção americana de direitos humanos, a qual permite uma visão ampliada da proteção à vida, fomentando assim, exceções em casos pontuais nos quais pela ponderação possa se entender como contrários ao entendimento regular.

4.3.4.2 Avaliar importância do Cumprimento do Princípio Oposto

Não foram encontrados desenvolvimentos nesse sentido.

4.3.4.3 Propor Graus de Interferência entre os Princípios em Colisão

Na conclusão do voto, o ministro considera, na página 351, que os valores em questão se encontram na mesma estatura jurídica. Ademais, na página 356, o ministro, fundamentado pelas diretrizes do Conselho Federal de Medicina e pelas legislações comentadas, considera o anencéfalo como “natimorto cerebral”, de maneira a caracterizar a  antecipação do parto no caso em voga pela ausência de tipicidade penal. Além disso, na página 358, registra hipótese configuradora de causa supralegal de exclusão da culpabilidade, traduzida em inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não há motivo racional que obrigue a mulher a prolongar a gestação.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados obtidos nesta pesquisa, guiado pela questão norteadora “O desenvolvimento dos votos dos ministros ocorre com algum alinhamento em relação às técnicas doutrinárias amplamente conhecidas, como a ponderação de Robert Alexy?”, gerou-se a hipótese de que o procedimento de ponderação de princípios de Robert Alexy não é aplicado estritamente como previsto, mas que isso não implica necessariamente que as decisões são tomadas à margem de qualquer técnica. Verificou-se que a subjetividade não é eliminada, mas que o método é capaz de ampliar a visão do juiz na lide em questão. Portanto, mesmo que os ministros do STF sigam rigorosamente a técnica, não há garantia de que suas convicções pessoais não influenciam a decisão final. 

É importante ressaltar que afastar-se da técnica também não soluciona a questão das tomadas de decisão dos ministros de forma isolada das necessidades sociais. Nesse sentido, cumpre formalizar que o maior grau de liberdade para a construção do embasamento lógico é justificativa para maior esforço pericial do julgador para expor suas razões. Por óbvio, a demanda constante pela clareza canaliza para o surgimento de métodos e procedimentos em melhoria contínua. Justamente a verificação aqui estudada.

Portanto, o passo seguinte sugerido pela pesquisa é aprimorar as técnicas existentes e estimular a tomada de decisões alinhadas a essas evoluções científicas. A melhoria contínua dessa linha de pesquisa é fundamental para garantir o respaldo social e oferecer transparência lógica no processo decisório, permitindo que a sociedade compreenda melhor o procedimento da Corte nas tomadas de decisão. Provavelmente esse é apenas um passo, no entanto um importante passo, para que as críticas à Suprema Corte sejam superadas pelo que a ciência pode oferecer.

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Dr. Vicente da Silva Cruz

Dr. Vicente da Silva Cruz

Dr. Vicente Cruz é Advogado Sênior do Instituto de Direito e Advocacia da Amazônia & Master Coach (IDAM)

26 anos de experiência na advocacia (GEA-DEFENAP-UNIFAP-ALAP-PMM)

Atuou como Secretário de Estado do Turismo - AP, Secretário de Estado do Desporto e Lazer, Diretor-Presidente do Procon-AP, Consultor Politico - Assembleia legislativa do Estado do Amapá, Diretor-Presidente da EMDESUR, Assessor Especial do Gabinete do Prefeito, Procurador Geral do Municipio de Macapá, Chefe do Nucleo Cível da Defensoria Pública do Estado do Amapá, Assessor Juridico da Vice-Governadoria, Assessor Jurídico - Assembleia Legislativa do Estado do Amapá, Procurador Geral da Unifap, Assessor de Comunicação e Relações Públicas-SEGUP, Presidente do Instituto Movimento Vento Norte, Presidente da Sociedade Esportiva e Recreativa São José, Presidente da Universidade de Samba Boêmios do Laguinhol, Presidente Liga Independente das Escolas de Samba do Amapá (LIESAP), Diretor Técnico da Federação Amapaense de Futebol, Auditor-Presidente Tribunal de Justiça Desportiva do Estado do Amapá

Bacharel em Direito pela UNIFAP

MBA em Gestão Empresarial pela FGV

Pós-graduando em Gestão Pública e Direito Eleitoral

Diploma Professional & Self Coaching - Instituto Brasileiro de Coaching - IBC

Diploma Coaching Ericksoniano - Instituto Brasileiro de Coaching - IBC

Diploma Master Coach - Instituto Brasileiro de Coaching - IBC

Diploma Aprendizagem Experiencial e Coaching de Equipes e Grupos -
Uno Coaching Group

Diploma Treinador comportamental - Instituto de Formação de Treinadores (IFT)

Diploma Practitioner em PNL - Sociedade internacional de PNL

Ramon Torres Cruz

Ramon Torres Cruz

Analista Judiciário/Apoio Especializado: Tecnologia da Informação - TRT8
Bacharel em Ciência da Computação - UFPA
Acadêmico de Direito - UNIFAP
Especialista em Direito Constitucional
Especialista em Redes de Computadores
Especialista em Docência e Gestão de Educação à Distância
Certificado ITIL (Information Technology Infrastructure Library) Foundation – Score: 100%
Certificado COBIT (Control Objectives for Information and related Technology) Foundation – Score: 87,5%
Certificado ISO 27002 (Information Security Foundation based on ISO/IEC 27002) Foundation – Score: 100%
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