Estudo da Revelia no CPC (Flashes Teóricos)

Introdução

No universo processual, o Código de Processo Civil (CPC) prevê inúmeros institutos e fenômenos destinados a garantir a justa e célere tramitação dos processos. Dentre esses, destaca-se a revelia, que pode ser entendida, em uma primeira visão, como a ausência de resposta por parte do réu à petição inicial apresentada pelo autor. No entanto, a sua natureza e efeitos vão muito além dessa simplificada definição. O presente estudo busca, portanto, elucidar a temática da revelia, conforme regida pelo CPC, abordando seus conceitos, nuances e consequências, bem como as exceções a seus efeitos.

 

1 Momento Processual

Protocolada, registrada, distribuída e admitida a petição inicial, se restou alguma disputa após a audiência de conciliação ou de mediação, cabe ao réu o ônus, não a obrigação, de apresentar resposta na forma de contestação, acompanhada ou não de reconvenção ou da reconvenção sem contestação. Caso a resposta do réu não contenha contestação, então há a incidência do fenômeno da revelia. 

 

2 Conceito

Disciplinado nos arts. 344 a 346, o fenômeno da revelia ocorre após a ausência da contestação. Nesse ponto, é importante definir que tanto a contestação quanto a reconvenção são espécies de resposta do réu. 

Assim, não é possível resumir que a revelia consiste unicamente na falta de resposta do réu. É possível que o réu ofereça resposta e mesmo assim seja considerado revel. Por exemplo, frustrada a autocomposição para resolução completa da lide, caso o réu proponha apenas a reconvenção, então, mesmo assim, estará configurada a revelia, não obstante o réu ter apresentado resposta.

Por isso, a definição exata de revelia é dada pelo fenômeno que ocorre pela contumácia do réu em relação à contestação, ou seja, pela ausência de contestação, independentemente da apresentação de reconvenção.

2.1 Revelia Imprópria

São casos para além da previsão do art. 344: 

  • Um primeiro caso decorre do art. 76. Nesse dispositivo, caso haja, na instância originária, algum defeito não corrigido de representação ou de  incapacidade da parte, então o réu será considerado revel se era de sua responsabilidade a correção desse vício. 
  • Um segundo caso se observa no art. 313. Com efeito, se o procurador do réu falece e esse mesmo réu não toma as providências necessárias para a nomeação de novo mandatário, considerar-se-á o réu revel, ainda que a contestação tenha sido apresentada.
  • Um terceiro caso se vê no art. 20 da Lei 9099/95. Por essa previsão, caso o réu não compareça à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, este será considerado revel, ainda que a contestação tenha sido apresentada.

 

3 Ônus da Impugnação Especificada

Como aduzido, a revelia se estabelece quando não há contestação. Se o réu apresenta contestação, porém deixa de impugnar algum fato, então para o fato em questão há a presunção de veracidade. Porém, não há de se falar em revelia, uma vez que a contestação, embora incompleta, está apresentada.

 

4 Efeitos da Revelia

A revelia é um fato processual que pode gerar duas consequências: o efeito material e o efeito processual.

4.1 Efeito Material

Também denominado efeito principal, uma vez que o efeito processual decorre do efeito material. Esse efeito pode gerar a seguinte consequência:

  1. Presunção relativa de veracidade para todos os fatos apresentados (ampliação do efeito da não impugnação de determinado fato por confissão ficta) na petição inicial, conforme previsão do art. 344.

Esse efeito relativo na presunção de veracidade dos fatos ocorre basicamente por duas razões:

  1. Por força do art. 345, no qual estão configuradas hipóteses de não produção da presunção de veracidade.
  2. Por previsão do art. 349, no qual o réu revel dispõe da possibilidade de produzir novas provas. Nesse caso, havendo essa possibilidade para o réu, então a presunção de veracidade para todos os fatos deixa de ser absoluta.

4.2 Efeito Processual

Além do efeito material, a revelia pode gerar os efeitos processuais:

  1. Possibilidade de julgamento antecipado do mérito quando o réu for revel, conforme art. 355, II do CPC. Com efeito, por força do efeito material da presunção relativa de veracidade, as alegações do autor não dependem de prova, como se vê no art. 374, III e IV. Por conseguinte, há a possibilidade de julgamento antecipado do mérito se não houver requerimento de novas provas por parte do réu, de acordo com a possibilidade normativa do art. 349.
  2. Desnecessidade de intimação, caso o réu não tenha constituído advogado, de acordo com o art. 346. Nesse cenário, o art. 346 serve para caso o réu não tenha constituído advogado desde o início do processo. Não serve, portanto, para o caso do réu cujo advogado tenha perdido o prazo. Para o caso previsto no art. 346, o início da contagem do prazo processual não depende da intimação, uma vez que o réu nem advogado tem, mas depende somente da publicação do ato no diário oficial do respectivo tribunal.
  3. Impossibilidade de produção de coisa julgada sobre a questão prejudicial, consoante art. 503, §1º, II. Essa impossibilidade deriva da lógica. Se um dos requisitos essenciais da resolução de questão prejudicial é a existência de um efetivo contraditório prévio e efetivo, logo, na revelia, não há a possibilidade de produção de coisa julgada sobre a questão prejudicial.
  4. Preclusão temporal. Ao réu revel é possível a posterior participação, no entanto não há a possibilidade para apresentação de contestação.

 

5 Efeitos Contrários às Pretensões do Autor

Importante refletir que mesmo havendo o reconhecimento da veracidade dos fatos alegados pelo autor por ocasião de revelia, não necessariamente a pretensão do autor será alcançada, como se pode observar nos seguintes casos:

5.1 Se o Direito não Socorre o Autor

Por exemplo:

  • O autor não faz jus aquilo que ele tá pedindo 
  • O pedido não foi formulado de maneira adequada 

5.2 Se o Réu Revel Produzir Provas

Importante destacar que o ingresso do réu revel não garante direito à contestação, uma vez que esse direito está precluso. Todavia, o réu revel pode ingressar no processo e produzir novas provas contrapostas à presunção de veracidade obtida pelo autor. Esse ingresso pode ocorrer a qualquer tempo, desde que o processo não tenha sido finalizado pelo julgamento antecipado do mérito, conforme visto no art. 349.

5.3 Se houver Incidência de Objeções Processuais

Objeções são questões de ordem pública, portanto impreclusíveis, que podem ter natureza material ou processual. Essas matérias são conhecíveis de ofício, tais quais as questões preliminares observadas no art. 337, com exceção do inciso X e da incompetência relativa. 

 

6 Art. 345: A não Produção de Efeitos da Revelia

Conforme compreendido no estudo dos efeitos da revelia, tem-se, na revelia, a presunção relativa de veracidade dos fatos. O efeito relativo decorre também das hipóteses listadas no art. 345, nas quais não haverá produção da presunção de veracidade. São as hipóteses:

6.1 Havendo Pluralidade de Réus Algum Deles Contestar 

A atenção a essa hipótese se deve à definição de litisconsorte positivada no art. 117. Nesse dispositivo, os litisconsortes são considerados, em princípio, litigantes distintos. Assim, deve-se atentar para o pedido e a causa de pedir.

Dessa definição, se os litigantes são distintos conforme pressuposto do art. 117, extrai-se que a contestação proposta por um não interfere na aplicação da revelia para o outro.

Todavia, se os litisconsortes compartilham pedido e causa de pedir, então nesse caso cabe a não aplicação da revelia para os demais litisconsortes, caso um deles tenha apresentado contestação.

6.2  Se o Litígio Versar sobre Direitos Indisponíveis 

Os direitos indisponíveis, no âmbito do Código de Processo Civil, referem-se àqueles direitos que os titulares não podem renunciar, transigir, alienar ou dispor voluntariamente. Eles são direitos protegidos não apenas em favor do indivíduo titular, mas também em vista do interesse público ou da coletividade.

Em suma, os direitos indisponíveis são protegidos pelo ordenamento jurídico como um mecanismo de proteção dos valores essenciais da sociedade e da dignidade humana. O CPC, ao tratar da revelia, observa essa proteção, garantindo que tais direitos sejam respeitados no decorrer do processo judicial. Assim, dada a importância do tema, é necessária a exigência de prova, em vez da mera presunção de veracidade.

6.3  Se a Petição Inicial não Estiver Acompanhada de Instrumento que a Lei Considere Indispensável à Prova do Ato

Se há documento necessário para a prova de um ato, vide disposição do art. 320, e esse instrumento indispensável não está presente, por lógica não se pode determinar a veracidade das alegações por mera presunção adquirida pela revelia.

6.4 Se as Alegações de Fato Formuladas pelo Autor Forem Inverossímeis ou Estiverem em Contradição com Prova Constante dos Autos

Se as alegações não se presumem verdadeiras ou se estiverem em contradição com  prova trazida pelo autor ou pelo réu revel, logo, não se pode determinar essa presunção por ocasião de revelia.

6.5 Se o Réu Revel Estiver Preso ou for Citado Fictamente, Enquanto não for Constituído Advogado, Conforme Art. 72, II

Nesses casos a apresentação da defesa pode estar comprometida. Por conta disso, não se pode incidir os efeitos da revelia.

6.6 Se o Assistido for Omisso, Conforme Art. 121, Parágrafo Único

O assistente pode guarnecer o assistido de uma omissão que leve à revelia. No entanto, se o assistido expressar a vontade de não contestar, então o assistente não poderá suprir essa falta.

 

Conclusão

O instituto da revelia, conforme regido pelo CPC, apresenta-se como uma ferramenta de grande valia para a efetividade e dinamicidade processual. Sua incidência, que se manifesta quando o réu não contesta a ação, tem o potencial de acelerar o trâmite processual e solidificar a presunção de veracidade dos fatos apresentados pelo autor. Contudo, é imperativo entender que a revelia não é uma penalização automática e inflexível. O CPC traz uma série de exceções e condições que impedem a geração automática de seus efeitos, reafirmando a primazia do direito à ampla defesa e do contraditório. Assim, ao abordar o fenômeno da revelia, é fundamental que profissionais do Direito estejam cientes de sua amplitude, de suas implicações e, sobretudo, das situações que se opõem à sua incidência, garantindo, assim, a justiça e equidade nas lides processuais.

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Dr. Vicente da Silva Cruz

Dr. Vicente da Silva Cruz

Dr. Vicente Cruz é Advogado Sênior do Instituto de Direito e Advocacia da Amazônia & Master Coach (IDAM)

26 anos de experiência na advocacia (GEA-DEFENAP-UNIFAP-ALAP-PMM)

Atuou como Secretário de Estado do Turismo - AP, Secretário de Estado do Desporto e Lazer, Diretor-Presidente do Procon-AP, Consultor Politico - Assembleia legislativa do Estado do Amapá, Diretor-Presidente da EMDESUR, Assessor Especial do Gabinete do Prefeito, Procurador Geral do Municipio de Macapá, Chefe do Nucleo Cível da Defensoria Pública do Estado do Amapá, Assessor Juridico da Vice-Governadoria, Assessor Jurídico - Assembleia Legislativa do Estado do Amapá, Procurador Geral da Unifap, Assessor de Comunicação e Relações Públicas-SEGUP, Presidente do Instituto Movimento Vento Norte, Presidente da Sociedade Esportiva e Recreativa São José, Presidente da Universidade de Samba Boêmios do Laguinhol, Presidente Liga Independente das Escolas de Samba do Amapá (LIESAP), Diretor Técnico da Federação Amapaense de Futebol, Auditor-Presidente Tribunal de Justiça Desportiva do Estado do Amapá

Bacharel em Direito pela UNIFAP

MBA em Gestão Empresarial pela FGV

Pós-graduando em Gestão Pública e Direito Eleitoral

Diploma Professional & Self Coaching - Instituto Brasileiro de Coaching - IBC

Diploma Coaching Ericksoniano - Instituto Brasileiro de Coaching - IBC

Diploma Master Coach - Instituto Brasileiro de Coaching - IBC

Diploma Aprendizagem Experiencial e Coaching de Equipes e Grupos -
Uno Coaching Group

Diploma Treinador comportamental - Instituto de Formação de Treinadores (IFT)

Diploma Practitioner em PNL - Sociedade internacional de PNL

Ramon Torres Cruz

Ramon Torres Cruz

Analista Judiciário/Apoio Especializado: Tecnologia da Informação - TRT8
Bacharel em Ciência da Computação - UFPA
Acadêmico de Direito - UNIFAP
Especialista em Direito Constitucional
Especialista em Redes de Computadores
Especialista em Docência e Gestão de Educação à Distância
Certificado ITIL (Information Technology Infrastructure Library) Foundation – Score: 100%
Certificado COBIT (Control Objectives for Information and related Technology) Foundation – Score: 87,5%
Certificado ISO 27002 (Information Security Foundation based on ISO/IEC 27002) Foundation – Score: 100%
Ironhacker - Desenvolvimento WEB - Turma 92