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Após a adoção da Medida Provisória (MP) nº 927, de 22 de março de 2020, cujo conteúdo dispõe sobre diversas medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso, muitas dúvidas surgiram sobre as consequências do reconhecimento da força maior e da possibilidade de aplicação da Teoria do Fato do Príncipe.
O parágrafo único do art. 1º da MP nº 927 declara que a atual situação constitui hipótese de força maior, nos termos do art. 501 da CLT.
Registre-se que a previsão celetista caracteriza esse instituto como “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.” (caput) e desde que afete substancialmente a situação econômica e financeira da empresa (§2º).
Para a configuração da força maior, portanto, exige a CLT a concorrência de: a) um evento inevitável; b) a não culpa do empregador ou não concorrência; e c) o impacto substancial na empresa de ordem econômica e financeira.
Incluso no mesmo capítulo VII da CLT, o art. 502 traz a possibilidade de terminação do contrato com a redução pela metade das indenizações rescisórias previstas. A dúvida que surge é se tal dispositivo pode ser aplicado como “alternativa” aos contratos de trabalho vigentes.
A conclusão negativa parece lógica, primeiro porque o requisito para a aplicação da norma é a extinção da empresa ou de um dos seus estabelecimentos por motivo de força maior. De outro ângulo, constitui-se em norma de exceção, devendo ser interpretada restritivamente.
Outro dilema que se tem enfrentado atualmente diz respeito à previsão do art. 503 da CLT, que permite a redução salarial em até 25% (vinte e cinco por cento) em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados.
Vale destacar que esse dispositivo não foi recepcionado pela CF/88, na medida em que o art. 7º, inciso VI, determina a irredutibilidade salarial como regra em nosso ordenamento jurídico. Somente estaria autorizada a redução salarial por intermédio de negociação coletiva (convenção ou acordo coletivo) e, acrescente-se, em situações excepcionais.
Portanto, apenas a configuração da força maior não tem o condão de autorizar a redução salarial sem os instrumentos de negociação coletiva.
Nessa toada, dúvida comum surge sobre a possibilidade de redução da jornada de trabalho e da consequente redução salarial. Também não parece razoável tal medida, porquanto a irredutibilidade prevista na Constituição é nominal, nada impedindo que instrumento coletivo acorde sobre isso.
Outro ponto controvertido é a tentativa de caracterização da Teoria do Fato do Príncipe.
O fato do príncipe ou factum principis, espécie de força maior, pode ser definido como o ato administrativo legítimo que causa impacto na continuação das atividades de uma empresa.
No âmbito do direito do trabalho, o art. 486, caput, da CLT, atribui à Administração Pública a responsabilidade pela paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade.
Nesse caso, a doutrina majoritária defende apenas não ser devida a indenização do aviso prévio ao empregado, devendo o empregador receber indenização do governo responsável pelo ato, na forma da lei.
Com a devida vênia da forte corrente em sentido contrário, parece que a Teoria do Fato do Príncipe não encontra fundamento no atual cenário, devendo ser utilizada excepcionalmente e com cautela.
Isso porque a jurisprudência tem classificado as modificações e medidas legais e administrativas da Administração Pública, que de alguma forma afetam a empresa, como inerente ao risco empresarial, que deve ser assumido pelo empregador, nos termos do art. 2º da CLT.
Por esses motivos, os instrumentos legais e administrativos disponíveis ao empresariado devem ser analisados com cautela e adotados excepcionalmente, considerando a peculiaridade de cada caso.
Lucas Torres Sampaio
Presidente do Instituto de Direito e Advocacia da Amazônia (IDAM)
Advogado, especialista em Ciências e Legislação do Trabalho
Diretor do Grupo Temático de Compliance no âmbito da Diretoria Regional da Associação Law Talks no Amapá.